Dívidas
vem aí uma "brasileira em Erfurt"?
Com as várias queixas que já recebi desde minha recém chegada ao tão amado e odiado continente, resolvi aparecer por aqui para pagar uma das minhas dívidas e escrever nesse blog que vive cheio de teia de aranha. Sinceramente, não sei dessa vez o que escrever, ainda não terminei de ler o livro de literatura da vez para fazer algum comentário, e uma crônica é um esforço que minha cabeça cansada não vai conseguir processar. Eu ainda nem botei em dia todos os textos dos amigos (mais disciplinados e competentes que eu).
Mas decidi escrever de qualquer forma porque fiquei um pouco sentida… disseram que fiquei metida agora que ando de TRAM e bebo cerveja “quente”, que esqueci muito rápido do meu Brasil. Veja bem, não é assim. Estou processando tudo que está acontecendo, preciso dividir minha atenção entre belas paisagens, igrejas góticas -que vida difícil!-, longas encaradas, dar respostas rápidas -Danke! Ja! ou sair correndo- e tentar esconder o meu inglês rudimentar e o alemão inexistente.
É também verdade que na minha cabeça cheia de fantasias acreditei que poderia fazer desde o início dessa viagem uma série de textos inspirados naqueles de João Ubaldo. Mas nada de bom saiu, até porque há uma distância incomparável entre nós. Depois dessa meia culpa posso dizer que o que decidi fazer foi fofoca da minha vida por aqui (com as recentes polêmicas do mundo literário também já não ouso dar um nome ao que escrevo).
Estou dividindo um quarto com vários estranhos. Como é minha primeira vez num hostel, andei estranhando e sendo estranhada. Me senti em uma novela da globo quando o caipira vai para cidade grande e cai em uma dessas pensões do Rio ou São Paulo -tem ninguém pra falar “uai”. Nos três primeiros dias dividi o quarto no terceiro andar com duas alemãs e com os sons de uma rua agitada do centro. Não fazia mal, eu de qualquer forma não conseguiria dormir, meu corpo não se ajustava ao tempo e meu cérebro não desligava pensando nos drones na Polônia um dia antes da minha viagem.
Nos outros dias já estava acostumada com a educação de minhas colegas de quarto, que logo foram embora, e levei alguns sustos quando tive que dividir o quarto sozinha com três homens. Eu sabia que isso podia acontecer já que é um hostel misto. O “susto” foi descobrir que é comum eles dormirem só de cueca. Quase não trocavam uma palavra comigo, me senti solitária, já que pelo menos um “guten nacht” eu recebia das antigas colegas. Enquanto minhas bochechas ficavam vermelhas e eu me sentia estúpida me perguntava: Como é que podem se sentir tão confortáveis sem roupa e nem dar uma boa noite se quer? Mas o alemão, que trabalhava no hospital psiquiátrico e não sabia falar inglês, foi bem legal. A conversa não fluía, claro, mas entre expressões, palavras mal pronunciadas e mímicas fiquei sabendo que ele era da cidade, mas a família se separou e já estava indo embora para encontrar amigos. No dia seguinte ele me deixou um pão e tomatinhos. Fiquei emocionada.
Tive de mudar de quarto alguns dias depois e (ainda bem!) me colocaram em um quarto com duas senhoras. Uma era inglesa e bispo aposentada da igreja anglicana, muito simpática, com quem fiz amizade e saí para passear no museu de arte da cidade. A outra era um pouco mais velha que minha vovó, mas não sabia inglês, então a comunicação foi precária, mas aconteceu. Ela dizia em “alemaglês” (eu acho): “Ich bin zu shy!”. Herdei da primeira um livro de romance, um dicionário alemão, aveia e arroz e ótimas conversas sobre o Brasil, a Inglaterra, religião, política e a destruição do planeta.
Pensei que não ia pegar o verão daqui esse ano, mas consegui dois finais de semana de sol e pude ver flores lindíssimas e dei um toque especial na minha paisagem: coloquei fones de ouvido e botei Raphael Rabello e depois Clube da Esquina. Senti falta de casa e liguei para minha avó, eram as seis por aí. Sabia que ela já estaria acordada. Uma pena que ela não pode sentir o perfume, o sol e a chuva. Procurei um canto para chorar, mas não chorei, ainda não deu tempo de sentir aquela saudade que só existe no português.

